Tuesday, April 5, 2016

Palavras para quê?


Eram quatro da manhã.

A festa, já requentada, assumia ares finais e beirava o apagar das luzes.

Mais da metade das pessoas havia desaparecido; uns, convidados, foram embora, outros, residentes, retiraram-se para seus quartos.

Eu, o não residente mais residente naquela casa onde já habitara, afundava-me numa poltrona, com a mirada ébria desfocada.

Estava, na verdade, frustrado com a retirada da mocinha polonesa que eu pretendia seduzir, justamente quando me afinava à investida.

Havia apenas mais um rapaz - que eu desconhecia - que dialogava com três ou quatro meninas eslovenas e uma austríaca, enquanto outra moça, que chegara à festa com ele, parecia tão perdida quanto eu, indiferente.

Não trocáramos uma só palavra até então.

Fitei-me nela, sem motivo particular.

Quando seus olhos finalmente se dirigiram a mim, vacilei:

Gesticulando levemente com a cabeça para os demais não perceberem, e com ajuda dos olhos, indiquei-lhe o caminho do jardim, num inequívoco convite.

Surpresa, ela reagiu com desdém, quase como se não acreditasse na minha ousadia.

Insisti com os gestos, levantei-me, e fui para o jardim, passando a porta traseira da casa e descendo as escadas até chegar ao pátio escuro que abria caminho ao farto relvado abandonado.

Sentei-me numa cadeira vagabunda não mais de três minutos. Sem receber reação ao convite, regressei à poltrona com um zelado sorriso patético.

Ela voltou a olhar-me e eu novamente gesticulei com a cabeça e com os olhos.

Relutante, ela olhou para as pessoas entretidas na conversa, segurou o sorriso tanto quanto pôde, observou-me por duas ou três vezes novamente até fazer, por fim, um leve sinal positivo com a cabeça.

Num salto, pus-me de pé e novamente dirigi-me ao jardim.

Sentei-me na cadeira e esperei com toda a naturalidade, sem sequer me preocupar com o que diria àquela moça com a qual nunca falara.

Não passaram dois minutos até um vulto baixo, magro e com longos lisos cabelos negros surgir pela porta traseira da casa, descer as escadas, aproximar-se de mim e parar à minha frente, com um sorriso matreiro.

Estendi minha mão direita até alcançar a sua para puxar-lhe em minha direção, fazendo-a sentar sobre mim.

Abocanhamo-nos em beijos curtos e sucessivos.

Aos poucos, minhas mãos invadiam-lhe a blusa e deslizavam pelos seus pequenos seios, e num movimento brusco levantei-lhe a veste e beijei aquelas saliências pouco visíveis sob o breu.

Disso não passou. E nem era preciso.

Aquela conquista silenciosa já era suficiente para celebrar uma noite que até então parecia indistinguível de tantas outras sem sentido.

Após cerca de quinze minutos que revezavam beijos e miradas ora exclamativas, ora marotas, fomos interrompidos pelo rapaz, que da porta a chamava, sem no entanto nos ver.

Recomposta, ela desfez-se de mim e regressou à casa.

Eu fui atrás, despreocupado em relação às outras pessoas, que estavam de saída. Ambos, ela e o rapaz, retiraram-se da casa com elas.

Antes de ir-me embora eu acabaria a noite bebendo a última litrosa de cerveja da festa com a menina austríaca, como ela posteriormente me informaria.

No dia seguinte, com uma ressaca inversamente proporcional à falta de lembranças claras da noite anterior, fui à busca de informações.

Perguntados, os meus amigos daquela casa não sabiam quem era a moça.

À noite saí com dois deles: a menina austríaca e um rapaz alemão, cuja iminente partida da cidade motivara aquele festim.

Numa das mais emblemáticas e frequentadas ruas da noite boêmia da cidade, enquanto discutíamos inclusive com uma polonesa que estivera na festa sobre quem poderia ser a misteriosa mulher, eis que ela surge do meio da multidão diretamente em nossa direção acompanhada de uma amiga, arrancando pequenos sorrisos em todos e provocando-me um ligeiro mal estar que logo acabaria em alívio.

"Italiana", informava-me a polonesa acrescentando seu nome.

Enquanto todos esforçavam fingimento perante aquela situação, ela encarava-me incessantemente e sem disfarce com os lábios levemente esticados, embora semicerrados, num sorriso pacífico.

Cumprimentei-lhe e à amiga, que me informava de que iriam com outras pessoas a um concerto no bar junto ao qual estávamos.

"Precisamos conversar" foi, finalmente, a primeira coisa que lhe disse. E o fizemos, por um breve mas suficiente momento que elucidou o ocorrido.

Não sei bem que fim teve a noite das demais pessoas. Mas ela, a italiana, fez-me companhia, juntamente com a austríaca e o alemão, pelas aventuras em dois bares diferentes até nos despedirmos, não sem antes trocarmos contatos, à porta da sua casa, que era no caminho da "nossa".

E assim mais uma mulher entrou na minha vida.

Que seja bem-vinda, como amiga, como amante.

Não sei.

O importante é que mais poemas virão.

A aventura traçada configura a substância nesta existência de encontros e desencontros.

Minha vida é isto e estou rendido a ela.


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