Wednesday, April 27, 2016

Amor térmico


Eu estava sentado ao léu bebendo um copaço de Cuba Libre quando ela apareceu.

Senti o problema e tentei evitá-lo.

Não voltei a olhá-la e não forcei conversa.

Até que, já numa discoteca abjeta, ela provocou.

Chegara àquela discoteca sem saber por quê

Talvez por ela, inconscientemente.

Quando ela pôs-se ao meu lado e encarou-me sem motivo aparente por alguns segundos, engoli seco.

Disse-lhe algumas palavras sem sentido, esmagado pela pressão.

Em seguida, ela sugeriu outro clube.

Outro clube igualmente abjeto.

Não apenas aceitei, como esforcei-me para convencer ao resto do grupo.

Lá, voltei a convencê-los a pagar os cinco euros da entrada, algo que eu nunca teria feito caso a situação não fosse tão apelativa, digamos.

Foram algumas horas sufocantes entre dança e investidas desesperadas naquele ambiente escuro com música repugnante.

Fumamos um baseado enquanto ela me contava sua triste história.

Prometi-lhe um poema enquanto sofria para não lhe roubar um beijo.

Seu suposto namorado lá estava, totalmente perdido.

Aquela relação é uma evidente fraude e ambos o sabem.

A certa altura, declarei-me sem reservas.

Ela disse-me ser demasiado perigosa para mim.

Disse-lhe para eu ter cuidado.

"Foda-se o cuidado! Meu pulso pulsa por este perigo." 

Então percebi que estavam todos apaixonados por ela.

Todos!

Rapazes, moças...

Era ridículo.

Deixei-a em paz.

Não queria compactuar com a intromissão e com a inconveniência.

Era seu direito estar ali em paz.

Passei a ignorá-la e ela, então, passou a procurar-me.

Acariciava-me as costas quando eu passava por ela sem olhar, ali naquela pista de dança infestada de abutres.

Recuso-me a ser mais um.

No dia seguinte acordei com 39 graus de febre.

Dores por todo o corpo.

Uma gripe tão simbólica. 

Febre de amor, diriam poetas.

E eu sou poeta.

Escrever-lhe-ei o prometido poema.

Homenagem merecida a quem me comove.

Mas definitiva.

Espero não voltar a vê-la.

Mas sei que voltarei.


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