Thursday, December 8, 2016

Os 20 álbuns de 2016


Recentemente adquiri o costume de elaborar uma lista anual dos vinte álbuns mais ouvidos por mim. Este deve ser o quinto ou o sexto ano consecutivo em que o faço. Os motivos são dois: uma mera sugestão musical e uma análise da variação do que escuto. De certa forma, essa variação é uma representação da modernidade líquida. Explico: de tempo em tempo, a música que ouço varia tão drasticamente em artistas e gêneros que indica por si só a instabilidade, ou a liquidez, da minha vida, admitindo aqui que meu gosto musical obedece não apenas à apreciação artística mas também, em grande medida, ao meu estado de espírito. Sou daqueles que criam trilhas sonoras para cada cena do filme da vida. Além disso, atualmente é tão fácil o acesso a qualquer tipo de música que o acúmulo de material fonográfico disponível em nossos meios digitais de armazenamento de áudio causa uma enorme confusão e sobreposição. Há muito mais música do que tempo para a ouvir. Antes, quando o mundo era mais sólido, ocorria talvez o contrário: pouca música para mais tempo, o que nos fazia repetir à exaustão os poucos exemplares físicos que tínhamos, decorando-os profundamente do começo ao fim.

Por que vinte e não dez ou trinta? Não sei. Acostumei-me assim. Talvez vinte seja a medida certa entre a limitação e a abrangência (se não houver limitação perde-se a relevância dos álbuns incluídos e se não houver abrangência o ano fica mal representado, porque em 365 dias muitos sons passam pelos meus ouvidos). Ou talvez seja apenas o meu subconsciente resgatando do passado um já distante período em que, sem Internet, eu me iniciava no mundo da música e assistia aos fins de semana ao Top 20 da MTV Brasil à espera de um mísero videoclip que destoasse de todo o lixo. 

Como sempre, a lista mostra como me reinvento enquanto apreciador de música, resgatando velhas paixões e descobrindo novas. É sempre com certo espanto que reajo ao meu interesse súbito por álbuns antigos dos quais nunca suspeitei que um dia me pudessem seduzir. "Ponho-me a ouvir cada coisa,,,", penso. E quando digo ouvir, refiro-me a um cuidadoso processo de captação de percepções, ambiências, técnicas e intencionalidades. Não é apenas romper um silêncio incomodativo. Um álbum só entra em minha lista após ser vasculhado, examinado e digerido. Tento adicionar apenas um por artista ou banda e a ordem obedece ao impacto causado em mim e à durabilidade da relação, mas ela não é tão importante.

Todos os anos tenho dito o que vou dizer agora: 2016 foi o meu ano mais eclético. 


1) Da Lama Ao Caos - Chico Science & Nação Zumbi (Brasil - 1994)

2) Singelos Confrontos - Flicts (Brasil - 2013)

3) Acerto de Contas - Paulo Vanzolini (Brasil - 2002)

4) Samba Esquema Noise - Mundo Livre S/A (Brasil - 1994)

5) Alucinação - Belchior (Brasil - 1976)

6) Lua Bonita - Socorro Lira (Brasil - 2011)

7) Mundialmente Anônimo: O Magnético Sangramento da Existência - Maquinado (Brasil - 2010)

8) Vinograd - Dobranotch (Rússia - 2014)

9) Do Romance Ao Galope Nordestino - Quinteto Armonial (Brasil - 1974)

10) Estado De Poesia - Chico César (Brasil - 2015)

11) Dividir e Conquistar - Dorsal Atlântica (Brasil - 1988)

12) Convoque Seu Buda - Criolo (Brasil - 2014)

13) Hear Nothing, See Nothing, Say Nothing - Discharge (Reino Unido - 1982)

14) A Love of Shared Disasters - Crippled Black Phoenix (Reino Unido - 2007)

15) We Rock You Suck - Muzzarelas (Brasil - 2010)

16) Entre - Kamau (Brasil - 2012)

17) Braza - Braza (Brasil - 2015)

18) Nº I, II, III & IV - Beatles'n'Choro (Brasil - 2002-2005)

19) Pappo Y Amigos - Pappo (Argentina - 2000)

20) My Mind Is A Mess - Orgasmo de Porco (Brasil - 2013)



Com a lista, percebo, meio atônito, que em 2016 quase só ouvi música brasileira. Eu não tinha ideia de sua esmagadora predominância e fiquei embasbacado. Nunca antes estive tão ligado à música tupiniquim. Dos vinte álbuns, apenas quatro não são brasileiros (dois britânicos, um russo e um argentino). Ademais, este foi o ano do meu regresso ao Nordeste e em que o Manguebeat finalmente me conquistou. Outra novidade é a inclusão de dois álbuns de hip hop, depois de muitos anos sem ouvir nada do gênero.

Como ainda faltam alguns dias para 2016 finalmente acabar (vai deixar pouquíssimas saudades, senão nenhuma), não excluo a possibilidade de alterar a lista. Estou sempre ouvindo de tudo e pode ser que algum álbum que me esteja escapando ainda se me revele a tempo. Ou então ficará para 2017, que decerto terá uma lista distinta. Tenho o hábito de guardar em meus favoritos do Youtube álbuns inteiros para não os esquecer antes de lhes dedicar a devida atenção. Neste momento tenho acumulado umas boas dezenas e, pelo que me pareceu depois de uma breve conferida, 2017 poderá ter uma certa tendência experimental, instrumenal e psicodélica, bem como reforçar ainda mais o meu regresso ao Nordeste. Mas é também possível que essa tendência não se manifeste e surja outra, embora neste momento eu nem consiga imaginar qual poderia ser.

Claro que há álbuns atemporais aos quais ouço com tanta frequência há já tantos anos que não faz muito sentido serem levados em conta para a lista anual. Exemplos disso são o Division Bell de Pink Floyd ou as discografias de Legião Urbana, Raul Seixas, Enya, Crass e Cólera. A lista é montada tendo em conta a sensação de descoberta ou redescoberta

Por fim, deixo uma sugestão baseada nela: vasculhem o Manguebeat. Não apenas os grandes ícones do gênero, mas toda a envolvência, tudo o que surgiu a partir deles e passou a orbitar a mixórdia estruturada na música pernambucana. 

Aliás, vasculhem também o cinema pernambucano.

Ô terrinha que gosta de uma boa arte...


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